Desplugando-se de quê? O cansaço dos excessos e a performatização do autocuidado
- SIRLEI PEREIRA NUNES
- 7 de ago.
- 2 min de leitura

Vivemos tempos em que o cansaço se tornou protagonista. Não apenas o cansaço físico, mas um esgotamento mais profundo, subjetivo, que beira o existencial. Em resposta, surge um movimento aparentemente contrário: a busca por uma vida mais “desplugada”, mais calma, mais conectada ao “autocuidado”. Mas será que essa busca é genuína ou estamos apenas trocando de vitrine?
Frases como “treino tá pago”, “momento de autocuidado” ou “foco no bem-estar” povoam as redes sociais e são acompanhadas de imagens calculadas, legendas estrategicamente emocionadas e hashtags que prometem bem-estar, superação e autenticidade. No entanto, na lógica do mercado e dos algoritmos, até mesmo o descanso virou produto e a intimidade, vitrine. O corpo que medita, que treina, que se cuida... está mesmo descansando ou apenas se performando?
A psicanálise, ao abordar a subjetividade humana, convida a ir além do visível. Freud nos ensinou que o sujeito não se esgota no que diz ou mostra. Lacan, por sua vez, fala de um sujeito dividido, alienado no desejo do outro. Nesse sentido, quando postamos nosso “autocuidado” para ser visto, curtido e comentado, a quem estamos realmente endereçando esse gesto? A quem desejamos convencer de que estamos bem?
O que parece ser um deslocamento dos excessos, do trabalho, da produção, da hiperconexão, muitas vezes é apenas uma repetição do mesmo, mas com nova roupagem. O excesso não desaparece: ele se camufla. A compulsão por métricas, por “likes” e validação não nos abandona quando trocamos a planilha pelo yoga, o e-mail pelo skincare. Permanece o imperativo de mostrar, registrar, medir, compartilhar. E se não for postado, será que existiu?
A psicanálise não prescreve fórmulas, mas oferece uma escuta que resiste ao imediatismo. Ela nos convida a interrogar: para quem é esse cuidado? O que busco quando preciso provar que estou bem? Por que me sinto culpado ao descansar sem produzir?
Talvez o verdadeiro descanso só possa emergir quando deixamos de performar o descanso. Quando não precisamos comprovar que nos cuidamos, mas simplesmente nos escutamos. Desconectar, nesse caso, não é sair da internet, é suspender o automatismo, é sustar a necessidade de corresponder a um olhar externo e começar a perguntar a si mesmo o que, de fato, faz sentido.
A vida desplugada, então, talvez comece não ao desligar o wi-fi, mas ao se perguntar: quem está me cobrando tanto? E por que eu continuo pagando?
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